domingo, 26 de outubro de 2008
Um Rádio que Conta uma História
Estava frio como em qualquer outra manhã de Novembro. Do céu branco acinzentado soprava uma aragem cortante que o obrigava a subir as golas do casaco e a soprar para as mãos.
Os passos largos e compassados levaram-no em direcção ao centro da cidade: ia comprar um rádio. Longe do seu país, ouvir a Emissora Nacional servia para esquecer o frio, para aquecer a alma e arrefecer a saudade. Com o novo aparelho, poderia ouvir também o programa das 14.30 às 17 horas, emitido numa frequência que a sua velha telefonia não sintonizava.
Naquele dia, como nos outros, não reparou na grandiosa catedral, símbolo da cidade. Monumento imponente, o Reno como vizinho, vértices pontiagudos em louvor ao céu, assente num templo romano e sobrevivente a ataques certeiros da segunda grande guerra. Passou por ela, como todos os dias…
Entrou na loja – que ficava perto da catedral – e comprou o rádio. Design moderno: linhas direitas, muito prático. Anos 70.
De regresso, um quiosque anunciava Lotto. Parou, entrou e preencheu o boletim. X no 2 – dia de casamento; X no 11 – dia em que a sua filha de quatro meses tinha nascido, em Julho, portanto; 12 – data de nascimento da sua mulher; 22- o seu dia de aniversário e mais dois X: no 8 e no 41 a completar a sua data de nascimento.
A partir de então poderia finalmente escutar em sua casa notícias do seu país, na sua língua materna.
E escutou, sentado a ouvir a sua terra. Grande compra!
Melhor compra: no sábado seguinte, desta vez em frente ao ecrã de televisão, dentro de uma brilhante caixa de madeira envernizada, esperava pela hora em que a tômbola atirava as bolas numeradas. Começou: saiu o 2, o 11, o 12, o 22, o 41. Alegria!! Alegria!!! Cinco certos no Lotto: quatro mil marcos que serviram para comprar prendas de Natal e mais qualquer coisa que fazia falta…
Um Grundig, transístor 600 com memórias, que achei lá em casa coberto de pó. Limpei-o e ouvi, na primeira pessoa, a história que carrega.
Toda a vida me lembro dele lá por casa… e ainda funciona!
A partir de hoje é peça de museu na minha sala.
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3 comentários:
Que estória fantástica!!! E que preciosidade que tens na sala... Não só pelo objecto em si, mas também pelo contexto em que foi adquirido! Há coisa fantásticas... Oh! Se há!!!
realmente essa história é merecedora de ser contada! Lembro-me vagamente de a ouvir....sem rádio.
Adorei!
Cristina Alvarenga
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