segunda-feira, 29 de junho de 2009

Nome Próprio? (às vezes)

Gostava de ter sido ela a escolher o seu próprio nome. Um daqueles que diz tudo: sinónimo de poder, a cheirar a doçura. Este que lhe deram não condiz consigo, sempre foi pedra no sapato. Demorou até conseguir articulá-lo, custou muito a saltar da ponta do lápis de carvão que firmemente segurava com os seus dedos rechonchudos…
Nunca soube de onde veio a ideia de lho terem dado. Sempre que fala nisso, por perto, está alguém cujo nome é fruto de engano, do conservador que era meio surdo, do pai que se esqueceu do recado, ou simplesmente porque lhe trocaram uma letra. O dela não, é mesmo assim.
O nome faz-se ao corpo, cola-se ao rosto, encosta-se à imagem. O dela também. Título de uma vida, rótulo sonoro, etiqueta perene. É dela e pronto, vai-se acostumando.
Há quem a trate por um diminutivo, mas os documentos não a conhecem assim, na papelada vem tudo direitinho, como não devia ser…
Hoje, porém já quase não pensa nisso. Não vai à escola, os papéis estão guardados, mal precisa deles e os amigos não lho fazem lembrar. É mãe, já é avó. As filhas cresceram, estão longe. Os netos nasceram, nunca os viu. É a distância que o impede e então ocupa os seus pensamentos com a saudade…
Vai visitá-los agora.
Não, não pode! Há documentos a renovar e os que tem não coincidem com uma certidão de nascimento que trouxe de Angola em 75.
A cédula que possui foi tratada em tempo e local de guerra, num quartel do MPLA que não soube guardar a informação e lhe baralhou o nome. Lá onde só se viam mutilados e olhares de ódio e se ouviam tiros de cá e de lá.
Não era esse O NOME de que não gostava. O apelido nunca lhe falou…nem da sua história. Mas é esse agora que lhe troca as voltas da vida. Alguém lhe acrescentou uma letra e a tornou ninguém. Precisa de outra certidão. Não vai a Angola. Sim, tem lá irmãos. Nunca os viu. Nunca falou com eles. Não se conhecem. Familiares desconhecidos apenas.
Da embaixada vai para casa, daqui para o SEF, telefona para a filha. Que tenha paciência! Que tudo se resolve…
Passaram meses, passou a vida inteira até que ver o seu nome escrito, inteiro, direitinho, como deve ser, lhe dá a felicidade de assumir quem é, com o nome, agora tão próprio, que tem.

5 comentários:

Anónimo disse...

Allô!
Não tens vírus no pc?!!
Beijinhos
Cláudia

Unknown disse...

Por momentos pensei que estavas a falar de mim. Mas agora já gosto do meu nome. :) Mais do que Iris Marlene! (que não és tu para que não sabe)

mlucas disse...

Marlene já não bom, agora Iris Marlene... inqualificável!

Anónimo disse...

Eu cá gosto muito do meu!

Unknown disse...

ideias do avô Jota