quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Livro(s) na Praia

Foi há mais de 20 anos que entrei numa livraria de praia daquelas que têm livros e bóias e biquínis e revistas e bronzeadores e baldes e pás e tudo e tudo. Nos escaparates, romances cor-de-rosa, outros mais negros, presumo eu, que não me lembro do manancial de escolha…
Peguei num, e rumei ao areal entusiasticamente que mal podia esperar por mergulhar nas linhas, entenda-se, da obra literária que adquirira.
Toalha estendida na direcção certa, de quem quer um tom de pele bronze, posição adequada e… a desilusão!
Continuo sem me lembrar porque o escolhi, mas não posso esquecer o que senti quando o folheei (não o terei feito na loja?): aquela mancha negra nada condizente com o mar, o sol, a areia douradinha… páginas e páginas com letras e frases e linhas e linhas quase sem pontuação, um pontinho final, um parágrafo… Corri de volta à casa da partida, “Ah, desculpe, eu comprei este livro aqui para oferecer e a pessoa já o tem, posso trocar?” Levei um policial bem catita, que me entusiasmou naqueles dias de calor.
A vontade de retornar ao repudiado tem-me acompanhado desde então, mas achava sempre que não era a altura certa, receosa da repetição do insucesso. Tenho lido outras coisas do autor “mas tem cada coisa seu tempo” (citação do narrador).
Mais de duas décadas passadas, o sol, o mar e a areia condizem com o MEMORIAL DO CONVENTO.Cada palavra usada de forma brilhante, cada frase construída com a mestria de quem tem um dom.
Tem sido um encanto, um prazer tremendo deixar-me levar naquelas linhas aparentemente amontoadas, mas com uma arrumação inacreditavelmente bela. Confesso que me foge a concentração por vezes e tenho que procurar o fio da meada, mas depressa o retomo e o deleite volta em dobro, porque a atenção redobrou por segundos.
Toalha estendida, pé na areia, o mar a traçar o horizonte e a mesma obra, lida com outros olhos, os meus de sempre.

1 comentário:

Fátima Lucas disse...

A minha experiência com "O Memorial do Convento" também é similar.
Há cerca de 20 anos o Eugénio ofereceu-mo. (Estava na hora de uma futura professora de Português começar a ler Saramago). A experiência foi desoladora... Não conseguia lê-lo; não conseguia entrar na(s) estória(s)... Abandonei o caso - o 1º livro que abandonei na vida. Sensação estranha esta, o recusar algo que tanto gosto - LER! Passados anos o Paulo ofereceu-me " O Ensaio sobre a cegueira" e.... adorei! E comecei a ler outros do autor, gradualmente, gostando, apreciando, mas sempre com o Memorial "atravessado no pensamento"!
Há cerca de 6 anos peguei novamente Nele. De espírito aberto, sabendo que as estórias de Saramago não se leem, ouvem-se; não se escrevem, contam-se.
Deliciei-me! Adorei! Magnífico!
Muitos outros se têm seguido do autor e, reconheço, hoje, ser um dos meus autores favoritos!
Paradoxal não? O 1º livro que abandonei, ser um dos meus preferidos...